sexta-feira, 28 de julho de 2017

Carta aberta aos futuros arquitetos



“E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo”, já dizia Vinicius de Moraes. É assim que muitos descrevem a nossa profissão e eu confesso que às vezes eu também a enxergo assim. Tenho uma página em branco, um lápis ou mais e daí nesse cheio de vazio começo a desenhar uma estrutura que após construída servirá como proteção, como o castelo não é? Garoto, você quer ser arquiteto? Então aprenda desde já que desenhar castelos não é tão fácil, é bonito sim, como a melodia da música, dá na gente uma vontade danada de mudar o mundo com essa tal arquitetura, mas em alguns momentos essa vontade é uma grande quimera.

E eu não falo sobre a dificuldade de enfrentar o cliente ou a equipe de obra, é difícil porque é a vida da pessoa ali. É você tentando representar em uma folha uma vida toda de sonhos, de dor, de trabalho e risadas. Mas não é só representar não é? Como Louis Kahn falava, a arte pode ter vão de portas menores que o ideal, mas a arquitetura não. Ela serve ao homem, é a arquitetura que permite ao ser humano habitar bem. Então quando você pegar sua primeira página em branco, seja ela papel, autocad, sketch up ou revit, pense que não é apenas traçar cinco ou seis retas. Poucos conseguem isso na vida, essa coisa de construir obras imensas partindo de um croqui de 6 retas (não tão retas assim), talvez seja o caso dos croquis de Oscar Niemayer. Mas apenas porque ele tinha uma equipe para desenvolver os pormenores e uma credibilidade que não é fácil ter quando se é jovem e recém formado.

Lembro-me como se fosse ontem do meu primeiro projeto para faculdade. Eu queria tanto girar um quadrado e deixa-lo com a quina para o chão, lembro também da cara do meu professor ao ver meus desenhos traçados. Foi a primeira vez que percebi que arquitetura não era apenas ir ao ritmo de aquarela. Tentei de novo, mas dessa vez eu queria afastar o piso do prédio do terreno, coisa pouca, nada que 50 cm não bastasse para criar na minha biblioteca uma leveza e sensação de estar flutuando. Foi quando eu ouvi a pergunta mágica: “Será que na obra o pedreiro consegue executar acabamento nessa laje elevada 50cm do terreno?” Logo depois eu descobri que sim, com algum empenho era possível. Mas essa pergunta marcou todos meus projetos depois daquilo. Porque não basta apenas desenhar, precisa ser possível. E quando digo possível é no quesito tecnológico e financeiro também. Eu sei que o MASP (da grande Lina Bo Bardi) está pendurado em uma estrutura com vão livre de mais de 70 metros, mas será que esse mesmo vão é compatível com uma residência de 500 metros quadrados? Com a mão de obra que tem disponível na sua cidade ou então com o bolso do proprietário?



Às vezes a faculdade me ensinava a ser utópica, a gente projetava o ideal e não o real. Mas colocar a mão na massa e abrir um escritório de arquitetura em uma cidade de pouco mais de 100 mil habitantes não funciona da mesma forma. Você precisa saber que terá que dominar mais do que um programa de renderização. Existem várias áreas que, a menos que você tenha muito dinheiro, terá que fazer sozinho: administração, gestão, marketing, vendas, inovação, arquitetura em si (muito de arquitetura) e detalhes da própria execução em obra. Você entende? A menos que você opte por prestar concurso ou ser contratado em uma outra empresa de arquitetura, não dá para ser arquiteto sem ter um pouco de conhecimento nesses outros fatores. E digo isso porque não quero que você ouça uma frase que escutei muito em meus 6 anos de formada: “ No papel tudo é possível Valéria, mas aqui na obra é diferente”.

Se eu pudesse te dar um conselho (fora o uso do filtro solar) seria para você aproveitar ao máximo o aprendizado que você terá no estágio. Visite obras, aprenda com o mestre de obra, com o pintor, com o marceneiro, aprenda com seu amigo engenheiro (ao invés de ficar em uma constante disputa). Aprenda com livros, compre-os por conta própria e leia. Quanto mais você souber e estiver aberto a aprender, mais você será respeitado.

A realidade vai bater na sua porta todos os dias pós-formado, ela bate quando você recebe o cara que não quer pagar o justo, bate quando você percebe que tanta gente não tem a dignidade de um teto enquanto você detalha molduras de gesso em estilo neoclássico. Bate quando fornecedores exageram na tentativa de te ganhar por uma especificação do produto dele, e quando você percebe que aquilo que projetou não é condizente com a realidade. Você logo vai descobrir que não é tudo tão bonito quanto parece no início do curso, mas será que alguma profissão é? Tente rir das coisas absurdas que você ouvirá, tente ser firme com suas decisões, mas dê ouvidos às críticas (mesmo que não faça sentido pra você).

O importante é que sim, a nossa profissão sempre vai interferir em detalhes da vida de alguém. Continue acreditando! Não deixe de pensar no financeiro, no cronograma, nos detalhamentos. Mas continue acreditando no porquê da arquitetura existir, do motivo pelo qual abrimos mão de morar na cabana primitiva que você estudou no início da graduação.

Meu amigo, faça o seu melhor, mas não aceite ser inferiorizado para isso. Lute pelos seus sonhos, mas principalmente, lute pelo dos clientes. São eles que dão sentido a nossa profissão. E se você não quiser abrir mão da utopia, permaneça no mundo acadêmico, o sonho faz bem lá e vai te remunerar com estabilidade (se é que ela existe). Aqui fora ser arquiteto é vender todos os dias.

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